domingo, 27 de março de 2011

Sou capaz de certas coisas...

Sábado à noite, momentos antes de extremos, agora, pois, de remanso puro da alma. Aliás, vale-me lembrar que todas as noites do sétimo dia da semana têm sido basicamente iguais (águas paradas e serenas, radicalismo muito abaixo ou inexistente) e não faço queixa por isso.

Cabe também lembrar de uma destas noites transcorridas em data que não mais recordo, mas cuja qualidade das horas passadas não me escapa ao pensamento.

Primeira noite de outono, aquela, como em todas as noites do resto do ano, em que a metade mais velha da cidade dorme e a outra metade bem mais entusiasmada faz sabe-se lá o quê. Bem, digamos que eu estivesse entre estes dois grupos, pois não os anos ainda haviam me chupado a vivacidade do semblante e tampouco me fervia o sangue pela busca incessante de algo que nem mesmo eu sabia.

Como amigo, apenas o velho e bom violão, e velho porque realmente já tinha certa idade, mas ainda permitia aos meus ouvidos o mais belo tom. Como coadjuvante pontual, a TV, pelo fato de que a certas horas daquela noite um canal cultural exibia o filme “Neto Perde Sua Alma”. Fazia-me submisso à insônia que outra vez me abatera e que desta vez trouxera consigo um sossego tão poucas vezes experimentado por mim. Certamente me acompanhava um mate muito oportunista, cuja chaleira esquentara a água já pela segunda vez. Eu era a calmaria muito bem encaminhada, de uma serenidade costumeira aos momentos que antecedem as deixas artísticas trazidas muitas vezes de lugar nenhum.

Como era um deleite o dedilhado que volta e meia tirava do violão, e foi assim a noite toda. Os acordes eram de uma intimidade assustadora uns com os outros, pareciam uma só nota, alterada tão sutilmente de dedo em dedo a ponto de soprar aos ouvidos como leve brisa que encanta a alma. Há certos tempos atrás era a confusão que me despertava a arte e agora a passividade do silêncio era apenas interrompida por acordes solenes. Havia beleza naquela noite.

Eu nem mesmo apelava à natureza que certamente lá fora haveria de cumprimentar-me com um aceno único, exclusivo do momento. Era ali, naquela pequena casa, naquele pequeno espaço, naquela pequena mesa sobre a qual também repousava um exemplar de “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo, que a beleza dava as caras.

No quarto, ainda mais belo que de costume, esperava-me o anjo a quem Deus confiara todo o amor da sua criação.

Nada mais haveria de querer, fazia-se perfeita aquela debandada das horas.