quinta-feira, 1 de setembro de 2011

O mendigo.

O palhaço Clown seca o suor que lhe escorre por cima do olho esquerdo, atenta para o sinal e o percebe ainda verde. Confere os pinos de malabarismo. Encontra todos os quatro, como sempre. Um e outro automóvel quase acerta suas pernas timidamente dispostas por sobre o asfalto quente, ao meio fio. Esbraveja para o sol que queima seu rosto e lhe desanda a maquiagem. Pega o espelho: um pequeno retoque. Percebe que o sinal fica amarelo. Levanta. Rapidamente, pega sua pequena e suja latinha, também os pinos e espera uma fração de segundo. O sinal fica vermelho. Encaminha-se a poucos passos para o meio da pista cinzenta: o seu palco. O palhaço Clown cumprimenta, com reverência, a plateia impaciente. Começa o seu número.

Os pinos voam alto, apenas três. O palhaço Clown é preciso, os movimentos são, para ele, de natural desenvoltura. Ele mantém-se dominador. Há, porém, um sorriso brejeiro naquela face cuja pele, com certa flacidez, demonstra seus, quem sabe, quarenta e cinco anos. As pessoas apáticas em seus carros formam a plateia indigna da arte, resultam na ausência de percepção que faz tola a própria existência.

A velocidade do número aumenta e o poeta do sorriso compõe seus versos esvoaçantes agora com os quatro pinos. Não há dificuldade no semblante daquele menino, mas, altivez. Ele brinca, ele brinda a plateia inerte com o seu sorriso inocente. Um pino cai ao chão. E outro também. O palhaço Clown os ajunta e prossegue com a sua apresentação. Alguns carros buzinam lá atrás, logo o sinal ficará verde. Alguma voz resmunga algo naquela fileira poluente. O palhaço Clown continua. Os pinos voam, o suor lhe arde no olho. A roupa lhe gruda como uma segunda pele, quente, porém, muito quente. Ele tem mais sede que fome. Os pinos voam rápidos, rodopiantes. As vozes agressivas se multiplicam e também as buzinas. O Palhaço Clown precisa agir rápido.

Junta os pinos, pondo-os sobre o asfalto. Pega a latinha e se vai. A primeira janela se lhe fecha e ele vai para segunda: outro rosto que o ignora. A terceira janela e o vidro que fecha, o desdém da mulher e seu ar condicionado. Um barulho de metal! O palhaço Clown examina o asfalto e encontra uma pequena moeda de dez centavos que alguém o jogara. O sinal abre.

Os carros arrancam rumo ao fim do dia, rumo ao fim da vida. O palhaço Clown respira a fumaça daquelas máquinas dirigidas por máquinas. Ele recoloca-se ao meio fio, a tempo de que não seja mais uma estatística da mortandade no trânsito. Senta-se.

Examina a latinha, com aqueles dez centavos que juntara do chão pôde formar um montante de três reais e sessenta centavos. A tarde caminha para a sua metade final. Confere os pinos. O sinal fica amarelo.